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Encontro Nacional de Diversidade Cultural e Medicina


O I Encontro Nacional da Diversidade Cultural e Medicina, realizado de forma online, na última segunda-feira (4), trouxe o tema ‘‘O Social e Suas Faces’’, com objetivo de discutir diversidade cultural e as demandas em saúde dos povos brasileiros minoritários, dentre eles, a população negra, os povos originários, as pessoas vivendo com HIV/aids, a população islâmica, população LGBTQIAP+, entre outros.


Para o debate, foram convidados diversos atores em direitos humanos. A mediação ficou por conta da jornalista e mobilizadora social Fabiana Mesquita. “Como o Sistema Único de Saúde (SUS) está preparado e capacitado para atender de forma integral e equânime as mais diversas demandas dos grupos identitários?”, este questionamento foi o fio condutor da discussão.


Para esclarecer o ponto, no primeiro momento, o debate focou nas questões relativas à população indígena e à população afrodescendente brasileira.


Vanessa Thaís – mulher indígena, profissional da enfermagem, especialista em saúde indígena, e jovem liderança no ativismo e mobilização social para resposta e controle do HIV/aids, abriu a conversa afirmando que a discussão sobre promoção e manutenção do direito à saúde dos povos indígenas, apesar de ser milenar, ainda é pouco explorada na sua dimensionalidade.


A discussão sobre saúde e bem-estar de nós indígenas vai muito além dos aspectos físicos e mentais, passa também pela questão de conquista e demarcação de nosso território”, disse, acrescentando que no Sistema único de Saúde existe a Política Nacional de Atenção aos Povos Indígenas, mas a mesma precisa ser moldada de acordo com a cultura de cada estado, de cada povo, e de cada etnia, pois “este é um leque muito grande para colocarmos em caixinhas”.


Existem sim as políticas que são e devem ser padrões, mas muitas questões devem ser consideradas de forma específica. É preciso haver respeito para com cada comunidade indígena e sua cultura. Indígena não é tudo igual! A minha realidade cultural enquanto indígena é diferente da realidade de outros indígenas”, complementou.


Ela ainda chamou atenção para a necessidade de preservação da laicidade religiosa por parte dos profissionais de saúde ao adentrarem territórios pertencentes aos povos tradicionais.


Precisamos ter um olhar sensível para enxergar o que é violência que foi levada ao território como algo bom, e tentarmos desconstruir o que é imposto ao povo. Sabemos que desde a invasão colonial a estes territórios, sofremos de uma violência velada disfarçada de ajuda. Então, muitas vezes a reação agressiva à imposição e cobrança, foi a forma que o nosso povo encontrou para reagir”, finalizou.


A atenção a condição de saúde nas aldeias é só algo primário, para se fazer exames e atendimentos especializados é necessário sair da aldeia, mas daí a gente encontra essas intercorrências fora da aldeia, sofremos racismo e discriminação… mas quando, por exemplo, aquele prefeito ou deputado precisar da gente depois dos 4 anos, eles vão nos procurar para pedir voto”, criticou a também mulher indígena Zuleica Thiago.


Por outro lado, celebrou o protagonismo indígena que tem ganhado força e a ocupação destes povos em espaços de poder, incluindo a área médica. “Depois da política de cotas aumentou o número de profissionais indígenas na medicina. Isso foi uma revolução para nós, é o que os nossos avós sonharam”.


Representando a população negra, Damiana Neto, pesquisadora em estudos afro-brasileiros, profissional da medicina, militante do movimento negro, e ativista pelos direitos das mulheres, com foco na defesa da saúde integral feminina, falou que o tema proposto do evento possuí um encadeamento que abrange questões chaves que tem relação direta com a historicidade do Brasil, a partir da colonização europeia.


O Brasil é formado a partir de violências, país este que não foi descoberto, mas sim invadido! Este país iniciou sua história com violação, sequestro e escravização de pessoas que antes em seus territórios eram reis e rainhas, e também tinham na natureza a sua cura, o seu próprio modo de ver e interpretar a vida na cosmovisão africana. Mas tudo isso passa a ser colocado como nada, e daí a gente entra naquele padrão que bom é aquilo que vem de fora”.


A militante entende que, a percepção desta questão histórica é a base fundamental para compreender o cenário atual da saúde pública nacional.


Todas as questões que vamos trabalhar hoje na saúde pública tem relação com isso. O tema aqui é de diversidade, então precisamos mapear quem são estes diversos que estamos falando, quem são as pessoas que foram colocadas em situação de marginalidade, o que não é branquializado, eurocentrado e heteronormatizado”.


A mesa ainda debateu a agenda LGBT, com foco nas pautas trans. Tathiane Araújo, mulher trans, figura política filiada ao PSB (Partido Socialista Brasileiro), fundadora da Astra (ONG focada em Direitos Humanos e Cidadania LGBT), e foi a primeira mulher trans a ser diretora executiva do PSB, falou sobre a desumanização dos corpos trans, o despreparo profissional e o não cuidado para com estes corpos nos espaços de saúde.


Estamos em 2023 e ainda precisamos provocar a estrutura de gestão como um todo e transversalizar a pauta, pois a pessoa trans que chega no serviço tem identidade, e ela também precisa estar incluída nos programas sociais, como de trabalho, que a levem minimamente conseguir se locomover socialmente… A gente não vive só na saúde, e não vamos conseguir cuidar dela se não estivermos incluídos como cidadãos ou cidadãs na sociedade”, opinou.


Posteriormente, a jovem liderança ativista pelas causas islâmicas: Vitória Fares, que também é graduanda em medicina e trabalha junto à populações vulneráveis, criticou a islamofobia e seus estigmas, os processos colonialistas, e em sua fala defendeu que “quando falamos dos muçulmanos, falamos dos indígenas, da população trans… falamos de pessoas, de vida e de direitos”.


Victoria pontuou que a visão deturpada acerca dos povos muçulmanos muito advém das produções audiovisuais que ela considera ser sensacionalistas


O que tem acontecido na Síria, na Palestina e em muitos outros países muçulmanos, são atrocidades. Mas ainda se fala muito sobre o terrorismo e acabam colocando muitos outros temas em cima de pautas que na verdade são sobre o que é ser humano”, afirmou.


A jornalista Fabiana Mesquita fez uma ponte e complementou a fala da convidada expondo que “este é um projeto de genocídio e um movimento mundial de cunho fascista e neofascista de exterminação de tudo aquilo que não é branco e que foge da lógica do cristianismo”.


O influenciador João Geraldo Netto, ativista na defesa dos direitos humanos, e co-fundador do Instituto Multiverso, concordou com os pontos elencados pelas suas colegas e opinou que a comunicação sobre o HIV/aids, outras ISTs, educação sexual e reprodutiva, e direitos humanos como um todo, precisa romper os ambientes virtuais. Para ele, esta comunicação precisa estar presente, sobretudo, na base, que são os territórios físicos.


Além disso, destacou: “a gente precisa sair da afirmação de que as pessoas precisam saber de tudo. O ambiente do norte/nordeste é completamente oposto ao sudeste ou centro-oeste”, finalizou.



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