Por Fabi Mesquita - Neste contexto, não faria sentido algum ter uma Barbie, supostamente o símbolo máximo do capitalismo. Eu também não ia ao McDonald's e não assistia televisão. Isso não me fez melhor nem pior do que ninguém. Não fez nenhuma diferença no meu caráter nem na minha vida, exceto pelo fato de ter me tornado uma criança extremamente isolada e solitária.
Eu nunca vesti roupas da moda, nem tive brinquedos que fizessem qualquer referência ao capitalismo, afinal, tínhamos que ser "coerentes". No entanto, olha só, eu tive bonecas, muitas bonecas, e tive um mini varal de pendurar roupas e uma tábua de passar com um ferro que esquentava de verdade!
Vejam as contradições. Somos revolucionários, mas seguimos as pegadas do patriarcado, Barbie não, mas dona de casa tudo bem?
Eu nunca vesti rosa, não tinha a orelha furada e não sabia nada do mundo além dos muros erguidos para me proteger da "futilidade" da sociedade consumista.
Isso não me livrou do patriarcado, porque o patriarcado também está nas instituições de esquerda, na academia e no mercado de trabalho.
Fui demonizada em muitos espaços, para o mundo que me cercava, eu era uma criança estranha, que dava palestrinha aos oito anos de idade, que não fazia amigos e não se encaixava. Para a esquerda, eu era pouco prática. Quando decidi estudar artes, um namorado disse que a revolução precisava de artistas. Mais tarde, quando me apaixonei por moda, ouvi que isso era fetiche capitalista e que não combinava com o perfil de uma garota de esquerda.
Como sou do contra, comecei a me vestir de rosa-choque (obrigada, Rita Lee), usar laço na cabeça (obrigada, Madonna) e criei um estilo próprio que era a mistura de todos os estilos que eu abraçava. E foi assim, de rosa e unha verde, que eu marchei com as mulheres, ajudei a derrubar a ditadura e a eleger uma prefeita mulher e revolucionária na minha cidade. Foi assim, bem braba, e bem "menininha".
O mundo sempre dita regras para as mulheres, e isso, em todos os lados, meu bem. O patriarcado é onipresente. Está nas religiões, nos partidos, nas ONGs e movimentos, nas escolas e universidades. Barbie é um bem de consumo que representa um fetiche capitalista, como dizem alguns textos espalhados pela net? (e que aposto que foram escritos por homens)
É sim!! Mas é também uma boneca adulta que vem para romper com a hegemonia de bonecas bebês, que tudo que faziam era nos transformar em mães precoces, aprender a trocar fralda e dar mamadeira.
As Barbies chegaram dizendo que podíamos ser tudo que quiséssemos: Engenheiras, astronautas, médicas, e não por acaso, a primeira Barbie que dei para a minha filha foi uma Barbie presidente!
Isso até então era impensável para nós, mulheres. Então não se pode negar o papel libertador que esse aspecto das bonecas Barbies trouxe para nós, mulheres dos anos 70/80. No entanto, toda moeda tem dois lados, e com ela vieram os padrões impostos de branquitude, magreza, beleza e feminilidade, mas veja bem! Não foi a Barbie que inventou isso. Tudo já estava lá, o racismo institucional, os padrões de beleza, o consumismo... mas a pulguinha atrás da orelha dizendo para as meninas que elas poderiam ser o que quisessem, isso foi a grande novidade.
Agora, sobre o filme: Se está incomodando religiosos fundamentalistas, pessoas de extrema-direita, galera red pill e outros patetas fascistas, então já cumpriu algum papel!
Se questiona e debocha do patriarcado e leva, ainda que de forma sutil, as meninas a questionarem o papel que o mundo real as obriga a performar, já está gerando alguma reflexão. E pouco é melhor do que nada.
A gente sabe por que a indústria de cinema existe. Para fazer dinheiro, mas você já reparou que ninguém faz discurso anti Guardiões das Galáxias, Superman e outras películas igualmente comerciais? Por que a Barbie incomoda tanto? Da direita a esquerda, incomodou todos os patrulheiros ideológicos de plantão, que unanimidade, hein?
Eu arriscaria dizer que tem um cheirinho de misoginia, o patriarcado sentindo dores do parto de uma nova geração que veio para ficar e que não vai abaixar a cabeça pra homem nenhum, porque já entendeu que podemos ser tudo que quisermos ser. E imagina só esse mesmo patriarcado assistindo milhares de mulheres impregnando as ruas de rosa-choque (o da Rita Lee, não o da Damares), saudando umas às outras, se divertindo juntas, enfrentando e desafiando a máxima de que somos competitivas e desunidas, compartindo a pipoca e o riso.
Ah, mas não tem recorte racial, nem de luta de classes, o filme é raso etc. Gente, como disse a perfeita @Carolina.Packer em sua reflexão a respeito (confiram no instagram, ta perfeita!), é um filme de entretenimento e não uma tese de doutorado. @Spartakus tambem tem uma reflexao excelente a respeito. Nos deixem rir um pouco, nos deixem imaginar como seria um mundo literalmente cor-de-rosa. A gente batalha tanto, trabalha, milita, estuda. O filme se basta? Não! Só que para aprender mais existe a literatura, a filosofia, a Sueli Carneiro, a Nilza Iraci, Chimamanda, Judith Butler, Angela Davis, e ainda uma promissora nova geracao de Dudas, Malalas, Carolinas Iaras e tantas outras.
A Barbie nem gente eh.
É só uma boneca.
Eu nunca tive.
Queria…
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