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SBI lança campanha sobre HIV/aids, com foco nos jovens; especialistas e ativistas reforçam que a comunicação é essencial para mudar o rumo da epidemia



A Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) lançou, na última terça-feira (26), em São Paulo, a campanha “Lembrar para Jamais Esquecer”, voltada à prevenção e conscientização sobre o HIV/aids. O evento marcou a semana que antecede o Dia Mundial de Luta Contra a Aids, celebrado em 1º de dezembro, e reuniu médicos infectologistas, especialistas em saúde, ativistas, jornalistas e influenciadores digitais engajados no tema.


Na abertura da cerimônia, o diretor do comitê científico da SBI, Dr. Alexandre Naime Barbosa, destacou os pilares da campanha: informar, sensibilizar e combater o estigma. Em sua apresentação, ele traçou um panorama histórico da epidemia de HIV, ressaltando o papel de protagonismo do Brasil em momentos-chave, como a criação do Programa Nacional de DST/Aids em 1996, que garantiu acesso universal ao tratamento antirretroviral. Segundo ele, a educação é essencial para fortalecer as políticas públicas de prevenção ao HIV/aids, pois mesmo após quatro décadas, a epidemia persiste com desafios e desigualdades que precisamos enfrentar.


Crescimento da infeção entre os jovens


Dr. Naime também alertou sobre o crescimento de novas infecções entre jovens no Brasil, destacando a necessidade de ampliar o diálogo com essa população. Ele ressaltou que a PrEP (Profilaxia Pré-Exposição), um método eficaz de prevenção, ainda é majoritariamente acessada por homens gays de alta escolaridade e renda. “Precisamos expandir o uso da PrEP para populações mais vulneráveis, como mulheres cis e trans, a população negra e pessoas de menor escolaridade”, pontuou.


O mais recente relatório do Unaids (Programa das Nações Unidas sobre HIV/Aids), publicizado nesta semana, destaca que meninas e mulheres enfrentam diariamente diversas formas de violência e discriminação. À medida que as mulheres continuam tendo seus direitos violados, aquelas que vivem com HIV enfrentam dificuldades recorrentes de seus direitos, especialmente em relação ao atendimento médico e à autonomia reprodutiva. Entre os abusos relatados estão o estigma no atendimento médico, pressão para não ter filhos, esterilizações forçadas ou coativas, e interrupções de gravidez.


Desigualdades de acesso


Complementando a discussão, o Dr. Valdez Madruga, diretor do Departamento de HIV/Aids da SBI, enfatizou a necessidade de abordar as desigualdades estruturais que agravam a vulnerabilidade social diante da epidemia. Ele destacou que a faixa etária que mais utiliza a PrEP no Brasil é entre 30 e 39 anos, com maior prevalência entre pessoas brancas. Além disso, citou os avanços no aumento do número de usuários da PrEP, embora este alcance ainda represente apenas 5% das pessoas que precisam da profilaxia. “A expansão do acesso à PrEP e o investimento em novas tecnologias de prevenção são fundamentais. A cidade de São Paulo, por exemplo, tem sido referência nesse sentido, mas precisamos garantir que esses avanços cheguem a todos”, concluiu Dr. Madruga.


O evento reforçou a urgência de estratégias inclusivas e de ações efetivas para enfrentar os desafios da epidemia, garantindo que nenhuma população fique para trás na luta contra o HIV/aids.


Novas tecnologias medicamentosas


Ao mencionar a injeção subcutânea de longa duração e a injeção intramuscular de longa duração com cabotegravir, Dr Valdez Madruga esclareceu: “Sobre os estudos relacionados à PrEP com cabotegravir, houve dois importantes, ambos com metodologias idênticas: o estudo 083, realizado com homens cis (no qual o Brasil participou), e o estudo 084, com mulheres cis. Esses estudos compararam a eficácia do cabotegravir com a do tenofovir (TDF/FTC) em formato oral diário. Inicialmente, havia uma fase de uso oral de cabotegravir e placebo de TDF, ou TDF com placebo de cabotegravir. Em seguida, os participantes migravam para a fase de injeção intramuscular, aplicada a cada 8 semanas, com placebo correspondente. Os resultados foram claros. No estudo 083, 73 pessoas adquiriram HIV no grupo que usou TDF/FTC diário, contra apenas 25 no grupo que recebeu cabotegravir injetável. Já no estudo 084, 6 participantes adquiriram HIV no grupo de cabotegravir, enquanto 56 foram infectados no grupo que usava TDF/FTC diário. Assim, o cabotegravir injetável demonstrou superioridade em relação ao TDF/FTC na prevenção de novas infecções por HIV, tanto no estudo 083 quanto no 084”, compartilhou.


Outro destaque trazido por ele foi o islatravir em cápsula, aprovado nos EUA e na Europa para terapia de resgate, e também foi testado como PrEP. Ele age em três etapas: entrada do vírus na célula, desmontagem do capsídeo e formação/liberação do novo capsídeo viral. No estudo PURPOSE 1, com doses subcutâneas a cada 26 semanas, nenhuma mulher contraiu o vírus ao usar o medicamento. “Desde que assumi a cooperação do Comitê de HIV/aids da SBI, meu objetivo principal tem sido lutar por inovações no tratamento […]. A SBI tem se esforçado para mudar a realidade, buscando parcerias com o Ministério da Saúde para manter o Brasil como referência mundial, mas a sociedade civil tem um papel crucial”, frisou.


O papel da comunicação


Ativistas e comunicadores que estiveram presentes, também fizeram suas ponderações. Lucas Raniel, comunicador e criador de conteúdo digital sobre HIV/aids, afirmou: “quando a população começar a entender que estamos vivos e fomentando todas essas políticas, que existem cientistas, jornalistas, cidadãos que vivem com HIV que estão fazendo esse trabalho, e que precisam ser valorizados por esse trabalho, a gente vai conseguir avançar a pauta do HIV na sociedade. Se a gente precisa e quer falar com o jovem preto e periférico, esse jovem precisa de par, porque ele só vai ouvir o par dele. Temos que direcionar a comunicação para cada grupo”, sugeriu Lucas, ao defender uma comunicação menos “bélica”.


Exclusão da população trans


Sua fala, posteriormente, foi complementada pela fala de Pisci Bruja. Pisci é antropóloga, educadora social, pesquisadora e uma mulher trans vivendo com HIV. A pesquisadora chamou atenção para o apagamento e marginalização de dados de saúde sobre pessoas trans e travestis no Brasil. “Existe um apagamento de dados. Nós não temos dados epidemiológicos sobre determinadas populações. Dados epidemiológicos são recentes sobre mulheres trans e travestis, nós estávamos até ontem dentro da categoria HSH (homens que fazem sexo com homens), então só agora que começamos a enxergar o tamanho do problema que a gente tem, mas ainda assim são dados municipais e estaduais, não temos dados federais e isso diz muito sobre um processo de apagamento das mulheridades na epidemia de HIV/aids, mas não só isso, apagamento também de pessoas com vulva.


Considerando pessoas trans e trans masculinas, a situação é ainda pior, não temos nenhum dado em absoluto sobre HIV e nem sobre outras ISTs”, acrescentou a antropóloga.


Adesão ao tratamento


David Oliveira, também tem ocupado as redes sociais para falar sobre o tema da aids. Idealizador do projeto Doses de Vida, que tem foco em adesão entre jovens mais vulneráveis e populações-chave, o influenciador compartilhou que na sua prática diária é muito comum ver que muitas pessoas não estão recebendo o tratamento adequado, mesmo após anos de diagnóstico positivo. Nesse sentido, ele comentou e ressaltou que o papel da comunicação é crucial para garantir uma adesão eficaz. “O meu trabalho foca principalmente em adesão ao tratamento. A adesão ao medicamento é uma adesão à vida mesmo, porque quando a gente toma medicamento a gente não pega o HIV na mão, a gente pega como um aliado para ter, entre aspas, qualidade de vida, porque qualidade de vida não é só tomar remédio, mas é tudo: ter alimento, é ter água, e acesso a muitas outras coisas”, destacou.


Temos que nos questionar sobre o que fazer para que essa distância entre a comunicação e os jovens, não seja tão longa. No Heliópolis, pertinho daqui onde estamos (Moema), eu trabalho com eles a educação sexual, junto a questão da violência. Chega a ser um absurdo falar de violência com um povo que é violentado o tempo todo, mas eu trabalho essa questão da percepção [de risco], e o não acesso é sim uma violência, uma violência estrutural. Esse dado de quatro pessoas [infectadas] por hora, parece ser até mais, porque a gente que trabalha nas redes sociais, acolhe o tempo todo centenas de pessoas, quase que 24h. A maioria das pessoas só estão tendo acesso à informação de qualidade depois de se infectarem e não antes.


David aproveitou para lembrar que muitas pessoas ainda desconhecem que discriminar ou agredir pessoas vivendo com HIV não só é imoral, mas também um crime.


O jornalista, roteirista e influenciador digital, Alberto Pereira Jr., foi outro que fez suas considerações. “Eu acredito que a SBI deveria dar o primeiro passo para tirar a comunicação sobre HIV/aids só do Dezembro Vermelho, porque o HIV está aí o ano todo e a gente vive com HIV o ano todo. Vão se passar mais onze meses e só vamos voltar a falar sobre o assunto, de novo, no primeiro de dezembro”, afirmou.


Além disso, os estudos precisam se questionar sobre o porquê determinados grupos sociais são mais afetados e vulneráveis. Os estudos sempre colocam os dados, mas a gente não é dado, a gente é gente! É preciso trazer isso mais evidentemente e se questionar porque são sempre as mesmas pessoas as mais afetadas”, complementou Alberto.


Para quebrar o ciclo de problemas, João Geraldo Netto, comunicador, criador do Canal Super Indetectável e co-fundador da ONG Instituto Multiverso, propôs que a questão do HIV saia das salas fechadas de clínicas e hospitais e se torne um debate transversal e natural em toda a sociedade. “A gente precisa lembrar da linguagem que eles, os jovens, falam. Algo muito complexo é esse preciosismo na comunicação. Foi pontuado aqui, por exemplo, a questão do Cabotegravir injetável não ser uma vacina, e de fato não é, mas para a população em geral pode ser sim. Tudo bem a gente [em determinado momentos] trazer isso mais tecnicamente, mas [no dia a dia] podemos explicar que ele é como se fosse uma vacina, mesmo que a gente comunique isso entre aspas, porque facilita o entendimento das pessoas. Eu comecei na internet, justamente porque queria traduzir artigos científicos para um português mais palpável e acessível. Uma sugestão, é que [quando forem construir as campanhas], peçam ajuda para publicitários mais jovens, etc. A comunicação faz parte da prevenção e talvez seja a coisa mais importante dela”, ressaltou ao afirmar que se a população não entende o que é dito, ela não se protege.


Quem também falou, foi a jornalista e diretora da Agência de Notícias da Aids, Roseli Tardelli. “Trabalho com advocacy em comunicação há mais de 20 anos e é a primeira vez na história do mundo e da aids, que a gente vê essa possibilidade efetiva de quebrar a transmissibilidade do HIV”, disse a jornalista ao mencionar o potencial do lenacapavir em acabar com a epidemia de aids no Brasil como problema de saúde pública e em outros países mais pobres.


A gente precisa começar a conversar diferente com o HIV, porque o HIV está conversando diferente com cada um de nós”, finalizou.


Confira o teaser da campanha:



Por: Kéren Morais

Fotografia: Divulgação SBI

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