
Por Fábio Mesquita - A proposta de Política Pública sobre Drogas do Senado Brasileiro, aprovada no dia 16 de abril de 2024, que proíbe tudo, seria bastante atual no início do século passado, mas não em 2024. As pessoas usam drogas há milhares de anos, sejam elas lícitas, como tabaco e álcool, sejam ilícitas. Foi por volta de 1920 que o proibicionismo das drogas surgiu e se firmou durante o governo de Richard Nixon, que em 1971 decretou a “Guerra Contra as Drogas”.
O proibicionismo e a Guerra Contra as Drogas não ajudaram as famílias e as pessoas que dependiam de drogas, mas contribuíram significativamente para o desenvolvimento do crime organizado, através do tráfico ilegal de drogas, que hoje é um dos dez negócios mais lucrativos da humanidade. O tráfico ilegal só existe porque a droga é proibida, e assim o Estado não controla o que acontece, mas sim os criminosos, que controlam tudo.
O vereador preso recentemente em Cubatão, ou as empresas de ônibus que sofreram intervenção em São Paulo há poucos dias, graças à ação do Ministério Público, são apenas a ponta do iceberg de quanto o crime organizado está infiltrado no Brasil, graças à proibição. Vou listar aqui países que tomaram medidas governamentais e legais em suas políticas públicas sobre drogas, descriminalizando o porte de drogas para uso pessoal: Alemanha, Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, Eslovênia, Espanha, Holanda, Itália, Letônia, Lituânia, Luxemburgo, México, Paraguai, Peru, Portugal, República Tcheca e Uruguai. O Canadá, entre outros países, planta e vende maconha para uso médico e recreativo.
Vários estados dos Estados Unidos da América também já legalizaram o porte para uso pessoal e até a produção caseira. É muito triste ver o Brasil, que tem líderes brilhantes na política global sobre drogas, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, cair neste retrocesso. Aquilo que os senadores dizem que estão fazendo para defender a família e os dependentes destas substâncias só vai aprofundar a violência e o controle do país pelo crime organizado. Esta solução já foi tentada há 100 anos e fracassou completamente.
Além do proibicionismo, os senadores querem forçar o tratamento das pessoas dependentes, mesmo sem consentimento.
O tratamento compulsório é proibido com base em documentos da ONU. O isolamento político do país, que é membro da ONU, confrontando a posição global, pode afetar a principal fonte de nossa economia, o comércio internacional, quando o Brasil ficar estigmatizado como um país que abertamente viola os direitos humanos. Na verdade, o tratamento compulsório em Comunidades Terapêuticas (que, diga-se de passagem, não são nem comunidades e muito menos terapêuticas) é outra fonte de lucro absurda, na grande maioria das igrejas pentecostais (que elegeu vários dos senadores que votaram a favor desta proposta anacrônica), completamente sem evidência científica de eficácia, e que usa a composição de recursos pagos pela família e pelo Governo Federal (com o lado inexplicável do Ministério de Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome do Governo atual). Uma tristeza ver este sinal de retrocesso tão fora do mundo atual num país que sempre foi considerado tão progressista como o Brasil. Torço muito para que a Câmara Federal, ou o veto do Presidente, ou o veto do Supremo traga de volta a esperança de que o Brasil esteja mais perto da realidade do mundo atual.
Fábio Mesquita é médico, doutor em Saúde Pública, trabalhou por 12 anos na OMS e atualmente é consultor da ONU e professor da UNIFESP Campus Santos.
Fonte: A Tribuna
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