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A Liberdade é Terapêutica



Por João Geraldo Netto: No Brasil, o dia 18 de maio é marcado pela luta antimanicomial, um movimento que há mais de três décadas resiste contra práticas de isolamento, tortura e violência em nome do "tratamento" psiquiátrico. A luta antimanicomial é um grito coletivo por cuidado em liberdade, por um sistema que respeite a dignidade humana e promova saúde mental sem encarceramento.


A luta antimanicomial surgiu em 1987, em Bauru (SP), inspirada pela Reforma Psiquiátrica Italiana, que fechou manicômios e implementou serviços abertos e comunitários. No Brasil, a Lei nº 10.216, de 2001, estabeleceu diretrizes para o tratamento em liberdade, priorizando o cuidado no território, mas a realidade ainda está longe desse ideal.


Enquanto os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) lutam para sobreviver em meio ao subfinanciamento e à precarização, as comunidades terapêuticas (CTs) recebem recursos públicos sem a devida fiscalização. Em vez de serem espaços de acolhimento e cuidado, muitas CTs funcionam como verdadeiros manicômios contemporâneos, mascarados sob o discurso da "recuperação".


Em 2023, o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) denunciou violações sistemáticas em mais de 80% das comunidades terapêuticas visitadas. Relatos de tortura, trabalho forçado, privação de liberdade e coerção religiosa foram documentados, evidenciando um padrão de abuso generalizado. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) alertou que as CTs operam à margem da lei, sem controle estatal adequado.


Entre os casos denunciados, estão situações de cárcere privado, onde pacientes foram mantidos acorrentados e privados de contato externo. Em algumas CTs, a "terapia" consiste em trabalho exaustivo sem remuneração, prática que remonta às colônias agrícolas da década de 1950, onde pacientes psiquiátricos eram explorados em plantações sob o pretexto de tratamento.


O isolamento é um retrocesso à lógica manicomial. Estudos científicos apontam que o confinamento agrava o sofrimento psíquico, aumenta o risco de suicídio e perpetua a estigmatização. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o cuidado em liberdade é mais eficaz, pois promove a reinserção social, o fortalecimento de vínculos e o exercício da cidadania.


Enquanto isso, as CTs operam sem profissionais capacitados, sem planos terapêuticos individualizados e sem garantia de direitos básicos. A tortura psicológica, o isolamento forçado e a coerção religiosa são práticas que desumanizam e perpetuam o ciclo de sofrimento, transformando o tratamento em punição.


O movimento antimanicomial não é apenas um grito contra os abusos institucionais, mas um chamado à construção de um sistema de saúde mental inclusivo, humanizado e orientado pelo cuidado em liberdade. Em vez de CTs que isolam, precisamos de CAPS fortalecidos. Em vez de celas e castigos, precisamos de equipes multidisciplinares, diálogo e acolhimento.


O grito antimanicomial ecoa pelos corredores dos CAPS, pelos atos de rua e pelos coletivos que resistem em defesa do direito à saúde mental digna. Porque não há saúde em cativeiro. Não há recuperação no isolamento. E a luta, enquanto houver um único manicômio disfarçado de CT, continua.

 
 
 

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