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Não se trata de guerra. É genocídio usando a fome como arma dos judeus israelenses contra o povo palestino

Atualizado: 28 de jul.

Muhammed Zakariya Ayyub al-Matouk, de um ano e meio, uma das milhares de crianças que sofrem de fome e desnutrição em Gaza, enfrenta condições de risco de vida devido aos ataques e bloqueios contínuos de Israel na Cidade de Gaza, Gaza, em 24 de julho de 2025. Gravemente debilitado, Matouk luta para sobreviver em uma tenda na Cidade de Gaza, onde não há acesso a leite, comida ou necessidades básicas. Foto: Ali Jadallah/Agência Anadolu
Muhammed Zakariya Ayyub al-Matouk, de um ano e meio, uma das milhares de crianças que sofrem de fome e desnutrição em Gaza, enfrenta condições de risco de vida devido aos ataques e bloqueios contínuos de Israel na Cidade de Gaza, Gaza, em 24 de julho de 2025. Gravemente debilitado, Matouk luta para sobreviver em uma tenda na Cidade de Gaza, onde não há acesso a leite, comida ou necessidades básicas. Foto: Ali Jadallah/Agência Anadolu

Por João Geraldo Netto: Há momentos na história em que o silêncio se torna cumplicidade. Quando quase 60 mil pessoas – a maioria civis, mulheres e crianças – são assassinadas diante dos olhos do mundo, é preciso nomear com clareza o que está acontecendo: trata-se de um genocídio. E os responsáveis não são abstratos, não é “o conflito do Oriente Médio”, nem “uma guerra de lados iguais”. São os judeus israelenses, que, apoiados por um Estado fundado sobre princípios religiosos e étnicos excludentes, perpetuam uma política sistemática de extermínio contra o povo palestino, sobretudo na Faixa de Gaza e na Cisjordânia.


Em 7 de outubro de 2023, o mundo assistiu com horror ao ataque brutal cometido pelo grupo Hamas contra civis em território israelense. Um massacre indefensável, com mais de mil mortos, que merece repúdio absoluto. Mas é preciso reconhecer que, mais do que um episódio isolado, esse ataque foi usado como pretexto para acelerar uma operação de limpeza étnica que já vinha sendo gestada há décadas. Israel, um Estado judeu por definição constitucional, transformou sua retaliação em um projeto de aniquilação deliberada. E a reação foi não apenas desproporcional, mas sistematicamente planejada para causar o maior sofrimento possível.


Palestinos se aglomeram para receber comida na Faixa de Gaza - Bashar TALEB / AFP
Palestinos se aglomeram para receber comida na Faixa de Gaza - Bashar TALEB / AFP

Hoje, Gaza é o maior campo de concentração a céu aberto do século 21. Um território sitiado, bombardeado, saqueado de recursos vitais e, agora, reduzido à fome absoluta. A Organização Mundial da Saúde confirmou que 21 crianças morreram de desnutrição em 2025. O World Food Program fala em “novos e surpreendentes níveis de desespero”, onde um terço da população não se alimenta há dias. Crianças famintas são exibidas em vídeos como testemunhas vivas – ou, melhor, moribundas – do fracasso moral da comunidade internacional. Isso não é um acidente, nem uma falha logística. É método. É política de extermínio.


Assim como os nazistas usaram trens, câmaras de gás e privação extrema como armas de genocídio, os judeus israelenses estão usando a fome como método de tortura e morte prolongada. Não há como fugir das comparações. Eu estive na Polônia e na Alemanha. Visitei campos de concentração, guetos murados, centros de extermínio. Conheci a história da guerra. E é impossível não ver a semelhança gritante entre o que foi feito aos judeus na Europa nazista e o que os judeus israelenses fazem hoje com os palestinos. A ironia histórica é sombria e cruel.


É evidente que nem todo judeu do mundo compactua com o sionismo extremista praticado por Israel. Há judeus críticos, progressistas, laicos, que repudiam essa política de violência em nome da sua identidade. Também é evidente que não se trata de uma condenação religiosa, mas política e histórica. No entanto, ignorar que as ações israelenses têm amparo na interpretação de textos religiosos judaicos é igualmente desonesto. O Estado de Israel foi fundado como um Estado judeu, onde a religião se entrelaça com o nacionalismo. E cerca de 80% da população israelense aprova a ofensiva em Gaza. Isso nos obriga a ser precisos: o massacre é conduzido por judeus israelenses, sob justificativas religiosas e raciais.


Ainda mais repugnante é o uso do termo “antissemitismo” como arma retórica para silenciar críticas legítimas às ações de Israel. Não é antissemitismo condenar um Estado que bombardeia hospitais, destrói escolas, nega comida e água a milhões de pessoas. É dever ético e político. Ao contrário, é profundamente desonesto usar o trauma do Holocausto como escudo para justificar a repetição, sob nova roupagem, das mesmas atrocidades. Antissemitismo é um crime. Crítica ao sionismo violento é resistência à barbárie.


As justificativas oferecidas por Israel são cínicas. Afirmam que impedem a ajuda humanitária porque ela seria desviada para o Hamas. Ao mesmo tempo, impedem a ONU de acompanhar a distribuição de alimentos, acusam as próprias agências da ONU de conivência, e entregam a responsabilidade a uma fundação obscura, a Gaza Humanitarian Foundation (GHF), cujos centros de distribuição são palco de assassinatos em massa. Mais de mil palestinos já morreram na tentativa de conseguir comida. As imagens de soldados atirando em multidões famintas são insuportáveis.


Médico de hospital em Khan Yunis, Sul da Faixa de Gaza, limpa o corpo do palestino Abdul Jawad al-Ghalban, de 14 anos, que morreu de fome. Imagem: AFP
Médico de hospital em Khan Yunis, Sul da Faixa de Gaza, limpa o corpo do palestino Abdul Jawad al-Ghalban, de 14 anos, que morreu de fome. Imagem: AFP

É preciso dizer com todas as letras: a fome como estratégia de guerra é um crime contra a humanidade. Israel não está apenas impedindo o acesso à alimentação – está usando a fome como ferramenta de limpeza étnica, como método de controle, humilhação e morte lenta. Matar pela fome é talvez uma das formas mais cruéis de tortura, pois prolonga o sofrimento ao limite do suportável. As crianças morrem sem forças até para chorar. As mães enterram os filhos sem leite, sem pão, sem voz. E o mundo assiste.


Diante disso, é urgente que os países do mundo tomem posição. Sanções devem ser aplicadas. Cortes em acordos comerciais e diplomáticos devem ser considerados. O genocídio palestino precisa ser reconhecido como tal pelas Nações Unidas, pelos tribunais internacionais e pelas lideranças políticas do planeta. A permanência de Israel no sistema internacional como um ator legítimo deve ser condicionada ao fim imediato dos ataques, ao respeito ao direito internacional e à responsabilização de seus líderes por crimes de guerra.


É inaceitável que os Estados Unidos sigam vetando qualquer resolução mais dura no Conselho de Segurança da ONU. Sua cumplicidade histórica com o Estado de Israel transforma o país em coautor das mortes. Nenhuma justificativa de segurança nacional sustenta tamanha brutalidade. É mais do que hora de uma ruptura com essa lógica. A paz na região não virá por meio da aniquilação de um povo. Virá com justiça, reparação e autodeterminação.


Também é fundamental destacar o papel destrutivo de parte da extrema direita cristã, que, em nome de uma suposta aliança espiritual com Israel, legitima o massacre. Essa mistura de religião e ignorância histórica é perigosa. Israel atual não é a Israel bíblica. O apoio cristão às ações do Estado israelense revela um profundo desconhecimento sobre as raízes e os desdobramentos da questão palestina. É uma aliança cega, baseada em dogmas e interesses políticos, que contribui para a escalada da violência.


Não há neutralidade possível diante do que está acontecendo. Não se trata de uma disputa territorial ou religiosa simples. É um projeto de apagamento cultural, étnico e humano. É a tentativa de riscar da história um povo inteiro, seus modos de vida, suas memórias, suas crianças. E tudo isso sob o olhar cúmplice de governos, instituições e até parte da sociedade civil internacional, que preferem usar palavras como “conflito” e “equilíbrio” ao invés de “massacre” e “genocídio”.


Não há simetria possível entre 1.200 israelenses mortos no ataque do Hamas – novamente, inaceitável – e os mais de 59.000 palestinos assassinados desde então. A desproporção não é só numérica, é moral. Israel detém a tecnologia, os mísseis, os drones, o apoio militar dos EUA, a blindagem diplomática. Os palestinos têm ruínas, fome e luto.


Mais do que nunca, é preciso nomear os responsáveis. Os judeus israelenses que lideram, operam e legitimam essa política de extermínio são agentes centrais desse projeto genocida. A guerra já não é entre Israel e Hamas. É entre um Estado armado até os dentes e um povo confinado à miséria. Entre colonizadores modernos e comunidades que lutam por sobrevivência. Entre o poder e o desespero.


Se deixarmos que essa história siga sem interrupção, sem responsabilização, sem justiça, estaremos repetindo os piores capítulos do século passado. E aqueles que juraram “nunca mais” diante das cinzas de Auschwitz precisarão rever seu juramento.


O que se espera das lideranças mundiais, das organizações internacionais, das vozes comprometidas com os direitos humanos, é um posicionamento claro: o que está em curso em Gaza e na Cisjordânia é genocídio. E, diante de um genocídio, o silêncio, a neutralidade e a diplomacia frouxa são formas de conivência.


Estamos diante de um ponto de inflexão. Ou a humanidade encontra coragem para enfrentar a máquina de morte que se ergue com a bandeira de Israel, ou se resigna a assistir, mais uma vez, o horror triunfar.


Que se saiba, que se grite, que se denuncie: o povo palestino está sendo exterminado. E quem os extermina são os judeus israelenses – não todos os judeus, não todo o mundo judaico, mas um projeto político, militar e ideológico que se vale da fé para justificar o inaceitável.


A História julgará. Mas ainda há tempo de interromper essa tragédia. Que o mundo esteja à altura dessa urgência.



A opinião do autor não representa necessariamente o posicionamento da organização.

 
 
 

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