O uso das redes sociais como aliadas na prevenção e no cuidado com as ISTs
- Fonte Externa
- 9 de jun.
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Na mesa “Inovações tecnológicas, redes sociais e humanidades para prevenção e tratamento das IST/HIV/Aids”, realizada no último dia do XV Congresso da Sociedade Brasileira de DST, XI Congresso Brasileiro de Aids e VI Congresso Latino-Americano de IST/HIV/Aids, na última sexta-feira (6), três influenciadores digitais especializados no tema compartilharam estratégias e reflexões fundamentais para qualificar a comunicação sobre HIV/Aids e outras ISTs nas redes sociais.
A mesa reuniu Vanessa Campos, do projeto SoroposidHIVa, o médico infectologista Vinícius Borges, conhecido como Doutor Maravilha, e João Geraldo Netto, criador do canal Super Indetectável. Seus trabalhos nas redes envolvem a tradução de conteúdos técnicos para linguagem acessível, como vídeos didáticos no Youtube, vídeos curtos para TikTok ou threads explicativas no X.
Ao relatarem como começaram a abordar o HIV e outras ISTs nas redes sociais, os influenciadores evidenciaram que as plataformas digitais podem ser ferramentas poderosas tanto para a educação sexual quanto para o acolhimento, desde que utilizadas com empatia, responsabilidade e compromisso ético.
Humanização no centro do conteúdo
Segundo dados que constam em relatório entregue pelo ministro da Saúde, Alexandre Padilha, à Organização Pan-Americana da Saúde (Opas/OMS) no primeiro dia do congresso, o Brasil entrou com um pedido para obter a certificação internacional de eliminação da transmissão vertical (transmissão de mãe para filho na gestação) do HIV/aids após atingir, em 2023, uma taxa de transmissão vertical inferior a 2%. Contudo, segundo Vanessa Campos, os avanços não apagam as violências relacionadas ao estigma das doenças.
“Quando se fala que a transmissão vertical foi eliminada, eu não me reconheço nisso. A violência é a mesma”, afirmou, em crítica direta a discursos que desconsideram a realidade na ponta.
Campos relatou experiências em que sofreu violência obstétrica, quebra de sigilo médico, além de ter sido recomendada por um infectologista a realizar um aborto ao engravidar.
Foi a partir das suas vivências traumáticas, guiados pelo preconceito e falta de ética profissional, que idealizou, em 2016, o projeto SoroposidHIVa: uma forma de utilizar as redes sociais como ferramenta de empoderamento e informação.
Nas plataformas, ela fala abertamente sobre os direitos das pessoas vivendo com HIV (PVHIV), qualidade de vida, adesão ao tratamento, saúde sexual e reprodutiva, violência obstétrica e o impacto do estigma.
Da linguagem técnica à informação acessível
Um dos principais desafios identificados pelos influenciadores é a barreira da linguagem técnica. Dr. Vinícius Borges criou o canal Doutor Maravilha exatamente para transmitir a informação a quem precisa por meio de uma linguagem acessível e acolhedora.
Segundo ele, as próprias notas informativas e documentos do Ministério da Saúde, por exemplo, são muitas vezes redigidos em termos científicos ou burocráticos. Por isso, não chegam de forma clara ao público.
“Não é que as pessoas tenham preguiça de ler. Às vezes, elas simplesmente não entendem o que foi escrito. Essas notas técnicas não são tão fáceis de entender, às vezes, até para outros profissionais da saúde”, disse Borges.
A observação se alinha ao trabalho de João Geraldo Netto, do “Super Indetectável”, que há quase duas décadas produz vídeos educativos com base em artigos científicos — muitos dos quais sequer estão disponíveis em português. A tradução do conhecimento, segundo ele, é uma das formas mais eficazes de garantir autonomia às pessoas vivendo com HIV.
Prevenção com autonomia, não com moralismo
O painel também reforçou a importância de comunicar a prevenção de maneira realista e acolhedora. Para os palestrantes, abordar o sexo apenas como risco é uma estratégia falha. “Prevenir não é impor, é oferecer opções e respeitar escolhas”, afirmou João.
O produtor de conteúdo destacou ainda a importância de mostrar os diversos caminhos da prevenção para além da camisinha. O melhor método para especialistas integrarem a prevenção ao prazer e à autonomia das pessoas, segundo ele, é o da prevenção combinada — que inclui as profilaxias pré e pós-exposição (PrEP e PEP), testagem regular, tratamento como prevenção (I=0), ou seja, “indetectável=ZERO transmissão”, e ainda o preservativo.
“Uma coisa que a gente tem sempre que lembrar é o foco no prazer. O sexo é uma prática que te deixa totalmente vulnerabilizado na frente das outras pessoas. Então, na hora que eu quero fazer sexo, eu não quero ninguém me dizendo como vou fazer, ou que eu tenho que usar algo que eu não gosto de usar, como uma camisinha. Se você não entende isso e só entende a prevenção de um modo prescritor, só vai afastar a quem está tentando atingir”, declarou João Geraldo.
De acordo com o comunicador, ao tratar o sexo como um tabu ou como algo exclusivamente biomédico, perde-se a chance de promover vínculos reais com quem mais precisa de informação confiável. Os influenciadores, portanto, defendem que a comunicação sobre ISTs precisa dialogar com a experiência afetiva e sexual dos públicos.
Influências para além dos vídeos informativos
Além de seu trabalho como médico e influenciador, Vinícius Borges integra comitês técnicos do Ministério da Saúde. João Geraldo, por sua vez, desenvolveu um chatbot (Synô Milía) que responde a dúvidas frequentes sobre HIV e saúde sexual pelo WhatsApp, utilizando linguagem acessível e dados confiáveis. A ferramenta foi criada para lidar com a demanda crescente e reduzir o desgaste emocional da resposta individualizada. Vanessa Campos disponibiliza seu livro de forma gratuita através de link nas redes sociais para inspirar vivências similares a persistirem na luta contra a doença e o estigma social.
Apesar do reconhecimento, todos relataram as dificuldades de manter financeiramente projetos de comunicação em saúde. “Você precisa ter causa. Se for por dinheiro, não vai conseguir sustentar”, disse João, que acumula mais de 12 milhões de visualizações no YouTube.
Segundo Vanessa Campos, o objetivo precisa ser inspirar as pessoas a se reerguer em meio às dificuldades. Não por menos, se intitula uma soropositiva “diva”. Para ela, assumir publicamente a sorologia ou a orientação sexual pode quebrar barreiras, mas não substitui o preparo técnico necessário para transmitir informações que colocam vidas em risco: “Lugar de fala é importante, mas precisa vir junto com estudo, escuta e responsabilidade”.
Por: Bruna Aragão
Fonte: Agência de Notícias da Aids
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