Por que precisamos falar agora sobre o fentanil?
- João Geraldo Netto

- 2 de out.
- 3 min de leitura
Atualizado: 18 de out.
Por João Geraldo Netto: Nos últimos anos, o fentanil tem aparecido cada vez mais nas manchetes e nas conversas entre profissionais de saúde, ativistas e pessoas que usam drogas. E não é à toa. Essa substância, um opioide sintético criado para uso médico em situações de dor intensa, ganhou espaço no noticiário por outro motivo: seu uso indiscriminado e os riscos gigantescos que isso traz para a vida de tantas pessoas.
Como redutor de danos e alguém que atua diretamente em contextos do sexo aditivado (chemsex) e prevenção, acredito que precisamos falar sobre o fentanil sem tabu, sem moralismo e, principalmente, sem julgamentos. Porque, enquanto muitos preferem virar o rosto, há vidas em jogo.
O que é o fentanil e por que ele preocupa tanto
O fentanil é um analgésico muito usado em hospitais, principalmente em casos de dores crônicas e tratamentos de câncer. Sua potência é o que chama atenção: ele é de 50 a 100 vezes mais forte que a morfina. Isso significa que doses mínimas já fazem efeito, e que doses mínimas também podem ser fatais.
No ambiente médico, o uso é seguro porque existe controle rigoroso. Mas fora dele, a história muda completamente. O fentanil, quando desviado ou produzido ilegalmente, é vendido no mercado de drogas e, pior, aparece misturado em substâncias que muitas pessoas consomem sem imaginar o risco que estão correndo.
Cocaína e ecstasy (MDMA) já foram apontados em várias investigações como drogas que podem estar contaminadas com fentanil. Mas a lista não para aí. Pesquisas internacionais e relatos de serviços de saúde também mostram que o fentanil já foi encontrado em:
Ketamina
LSD
Metanfetamina (crystal)
Heroína
Benzodiazepínicos vendidos no mercado paralelo (como “clonazepam” ou “alprazolam” falsificados)
Isso significa que até quem nunca pensou em usar opioides pode estar exposto a eles sem saber. É um risco invisível, silencioso e, muitas vezes, letal.
A overdose e seus sinais
O fentanil age rápido e atinge diretamente o sistema respiratório. Uma overdose pode acontecer em minutos. Alguns sinais de alerta são:
Respiração lenta, irregular ou até ausente
Pupilas minúsculas (em ponto de alfinete)
Sonolência extrema ou desmaio
Pele azulada ou fria
Corpo mole, sem reação
Em situações assim, a rapidez é fundamental. Procurar ajuda médica imediatamente pode salvar vidas.
Redução de danos como saída possível
Algumas pessoas dizem: “o único jeito de evitar os riscos é não usar”. Eu entendo essa visão, mas sei que a realidade é outra. As pessoas usam drogas. Seja por prazer, por curiosidade, por contexto social, por questões emocionais. Fingir que isso não acontece é fechar os olhos para os riscos reais.
É aqui que entra a redução de danos. Projetos e ONGs já oferecem testes de substâncias, que ajudam a identificar a presença de fentanil e de outras adulterações. Embora não sejam perfeitos, esses testes podem ser a diferença entre a vida e a morte. Em outros países, também se utilizam fitas reagentes de fentanil, que apontam se a droga foi contaminada.
Pedir ajuda não é fraqueza
Outro ponto importante: nem sempre é fácil controlar o uso. Em contextos como o chemsex, por exemplo, a mistura de substâncias pode ser intensa e difícil de manejar. Isso não faz de ninguém “fraco” ou “sem força de vontade”. Procurar ajuda é, na verdade, um ato de coragem.
Existe uma rede de serviços de saúde, grupos de apoio e coletivos de redução de danos que acolhem sem julgamento. O fundamental é entender que ninguém precisa lidar com isso sozinho.
Um olhar humano diante do fentanil
Quando pensamos no fentanil, é fácil se perder no pânico coletivo que muitas vezes a mídia cria. Mas eu prefiro enxergar de outra forma. Para mim, o problema não é “quem usa”, mas sim o quanto estamos despreparados para lidar com uma substância tão potente circulando nas ruas.
É preciso mais informação, mais acesso a ferramentas de redução de danos e menos estigma. Porque estigmatizar só afasta quem mais precisa de apoio. E, enquanto isso, o fentanil continua circulando.
O fentanil é, sim, um medicamento poderoso na medicina. Mas no mercado ilegal, ele se transforma em um risco grave, justamente porque muitas vezes aparece escondido em outras substâncias.
Se você usa, se conhece alguém que usa, ou se simplesmente se preocupa com esse tema, a mensagem que deixo é: não tenha medo de falar sobre isso. A informação salva, a redução de danos salva, e pedir ajuda pode salvar ainda mais. Porque no fim das contas, estamos falando de vidas. E toda vida importa, não é mesmo?
Conheça o projeto ColocAção, do Instituto Multiverso, clicando AQUI! Um projeto todinho focado na redução de danos no sexo aditivado (chemsex)



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