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O adeus à Pepe Mujica: uma vida pela liberdade, pela justiça social — e pela redução de danos



Por Talita Martins: O mundo se despede de José “Pepe” Mujica, ex-presidente do Uruguai, que faleceu nesta terça-feira (13), aos 89 anos. Guerrilheiro, preso político, líder progressista e símbolo de simplicidade e coerência ética, Mujica deixa como legado muito mais do que seu icônico Fusca azul ou sua oratória direta e afetuosa. Deixa um modelo de política centrada nas pessoas, especialmente nas mais vulneráveis. E entre suas contribuições mais emblemáticas está a adoção de políticas públicas pautadas na redução de danos, um divisor de águas nas Américas quando o assunto é drogas, saúde e direitos humanos.


Uma política ousada e humana


Durante seu mandato (2010–2015), Mujica colocou o Uruguai no mapa das nações mais progressistas do mundo ao legalizar e regulamentar a maconha, em um gesto que rompeu com décadas de proibição e guerra às drogas. Mas sua decisão ia além da ousadia política: refletia um profundo compromisso com a redução de danos como estratégia de cuidado, dignidade e justiça social.


“A guerra às drogas fracassou. Precisamos encontrar novos caminhos que ponham a vida das pessoas no centro”, disse Mujica em 2013, quando apresentou o projeto de regulamentação ao Parlamento uruguaio.

A medida, inédita até então, permitiu que o Estado passasse a controlar a produção e a distribuição da cannabis, tirando o lucro e o poder do narcotráfico, ao mesmo tempo em que reduzia os riscos à saúde dos usuários e promovia o acesso a cuidados. Foi um marco mundial, que inspirou outros países e consolidou o Uruguai como referência em políticas de drogas baseadas em evidências, direitos humanos e saúde pública.


Redução de danos é política de vida


Ao tratar o consumo de drogas como uma questão de saúde — e não de polícia — Mujica se aproximou das vozes dos territórios, das organizações de base e das pessoas que vivem com HIV, com transtornos mentais ou em situação de rua. Ao invés da criminalização, ele escolheu o acolhimento. Ao invés da punição, a escuta e o cuidado.


Essa visão, compartilhada com movimentos de saúde e direitos na América Latina, reconhece que o uso de substâncias não deve excluir ninguém do acesso à cidadania e ao cuidado. Mujica abriu caminhos para que estratégias como troca de seringas, acesso a insumos de prevenção, escuta qualificada e inclusão social tivessem espaço nas políticas públicas de seu país.


Um farol para as Américas


Mujica não foi só um presidente. Foi símbolo de uma política radicalmente ética, que ousou imaginar um outro futuro possível para o continente. Um futuro em que o **usuário de drogas não é criminoso, mas cidadão**. Em que a pobreza não é tratada com repressão, mas com oportunidades. Em que os direitos não são negociáveis.


Sua atuação abriu precedentes para pensar a política de drogas como ferramenta de redução da violência, do encarceramento em massa e da propagação de infecções como o HIV e as hepatites virais. Seu exemplo mostrou que é possível governar com empatia e coragem, mesmo diante das pressões internacionais e do conservadorismo.


Despedida de um gigante


Pepe Mujica morreu como viveu: simples, digno e coerente. Passou seus últimos dias cuidando de sua horta e repetindo que “vale a pena lutar por uma sociedade mais humana”. Lutou contra a ditadura, sobreviveu à tortura, renunciou ao luxo e ao poder. Mas jamais renunciou às pessoas.


Hoje, quem trabalha com saúde, com direitos humanos, com redução de danos — em Montevidéu, em São Paulo, em Bogotá ou em Salvador — sente a perda de um aliado. Mas também herda a responsabilidade de seguir o caminho que ele ajudou a construir: um caminho onde ninguém é deixado para trás.


“Não sou pobre. Sou só sóbrio. Tenho o suficiente”, dizia Mujica.

E, para nós, seu legado será sempre abundante: em dignidade, em ternura, em coragem.


José “Pepe” Mujica, presente!


Nas lutas por cuidado, justiça e redução de danos.

 
 
 

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