PrEP injetável chega ao Brasil: um novo capítulo na prevenção do HIV
- João Geraldo Netto
- há 6 dias
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Em um país onde cerca de 46,5 mil novos casos de HIV foram registrados apenas em 2023, segundo o Ministério da Saúde, qualquer inovação na prevenção é motivo de atenção. Agora, além da profilaxia pré-exposição (PrEP) oral já distribuída pelo Sistema Único de Saúde (SUS), o Brasil recebe sua primeira versão injetável de longa duração: o cabotegravir, comercializado pelo nome Apretude, desenvolvido pela farmacêutica GSK/ViiV Healthcare.
A novidade chegou às farmácias privadas em agosto de 2025, com preço de tabela de R$ 4 mil por dose. Apesar do custo elevado, a expectativa é que, no médio prazo, o medicamento seja avaliado pela Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS), o que poderá ampliar seu acesso.
Como funciona a PrEP injetável?
O Apretude é um antirretroviral da classe dos inibidores da integrase. Sua ação consiste em bloquear a enzima que permite a integração do DNA do HIV às células humanas, impedindo que o vírus se instale e se multiplique no organismo.
A aplicação é intramuscular, a cada dois meses, e deve ser feita por um profissional de saúde. Para iniciar o tratamento, é necessário apresentar um teste de HIV negativo realizado até sete dias antes da aplicação, já que a PrEP é indicada somente para pessoas que não vivem com o vírus.
A indicação abrange pessoas a partir de 15 anos, com pelo menos 35 kg, que se considerem em risco aumentado de exposição ao HIV. Assim como a versão oral, a PrEP injetável não substitui o uso do preservativo e deve ser utilizada dentro da estratégia de prevenção combinada, que inclui testagem regular, tratamento para pessoas que vivem com HIV (o conceito “indetectável = intransmissível”) e outras medidas de redução de risco.
Diferença em relação à PrEP oral
No Brasil, o SUS já distribui gratuitamente a PrEP oral desde 2017, atualmente utilizada por mais de 130 mil pessoas. O esquema consiste em um comprimido diário que combina dois antirretrovirais (tenofovir e emtricitabina).
A eficácia da PrEP oral é alta, mas depende de adesão rigorosa. Muitas pessoas relatam dificuldades em manter o uso contínuo: esquecimentos, estigma associado ao frasco de comprimidos e até questões práticas, como viagens ou mudanças de rotina.
A injeção de cabotegravir promete resolver parte desses problemas, já que duas aplicações por ano garantem cobertura contínua, reduzindo o risco de falhas por esquecimento. Estudos clínicos e de vida real demonstraram adesão superior (95%) em comparação à oral (58%). No ImPrEP CAB Brasil, estudo conduzido pela Fiocruz com 1.447 jovens de 18 a 30 anos, nenhum caso de HIV foi registrado no grupo que recebeu o cabotegravir, enquanto houve dez diagnósticos entre usuários da versão oral.
Vantagens adicionais
Além da praticidade, especialistas destacam outros potenciais benefícios:
Discrição: não é necessário carregar comprimidos, o que pode reduzir situações de estigma.
Maior eficácia na vida real: ao evitar falhas de adesão, o impacto coletivo na prevenção tende a ser maior.
Segurança comprovada: efeitos colaterais relatados foram, em sua maioria, leves, como dor no local da aplicação. Casos de náusea ou diarreia foram pouco frequentes.
Obstáculos e desafios
Apesar da empolgação, alguns desafios permanecem:
Preço elevado: no mercado privado, o custo atual é inviável para a maioria da população.
Logística de aplicação: exige acompanhamento médico e testagem regular, o que pode limitar o acesso em regiões com menos infraestrutura de saúde.
Acesso desigual: enquanto a PrEP oral já enfrenta barreiras (como preconceito nos serviços de saúde e desigualdade regional de acesso), a versão injetável pode reproduzir essas dificuldades caso não seja incorporada ao SUS de forma estratégica.
O futuro da prevenção
A chegada do cabotegravir abre um novo capítulo na história da prevenção ao HIV. Estudos estimam que a adoção da PrEP injetável no Brasil poderia evitar até 385 mil novas infecções nos próximos dez anos, representando uma economia de cerca de R$ 14 bilhões em custos de tratamento.
Além dele, outros medicamentos de longa duração estão em desenvolvimento, como o lenacapavir, da Gilead Sciences, que pode oferecer proteção por até seis meses com uma única aplicação. Embora ainda não aprovado pela Anvisa, ele reforça a tendência mundial de investir em soluções mais práticas e duradouras.
Uma ferramenta, várias estratégias
Especialistas reforçam que a PrEP (oral ou injetável) não é uma solução isolada, mas parte de um conjunto de medidas de prevenção. O conceito de prevenção combinada envolve:
Uso de preservativos;
Testagem regular para HIV e outras ISTs;
Tratamento imediato das pessoas diagnosticadas com HIV (o que leva à indetectabilidade);
Profilaxia pós-exposição (PEP), disponível no SUS em situações emergenciais;
Educação sexual e campanhas de conscientização.
Nesse sentido, a PrEP injetável amplia as opções, mas precisa caminhar junto com políticas públicas, combate ao estigma e acesso universal à saúde.
A chegada da PrEP injetável ao Brasil é celebrada como um marco na luta contra o HIV. Para alguns, representa praticidade; para outros, liberdade de viver sua sexualidade com mais tranquilidade. Porém, seu impacto real dependerá de como será incorporada ao sistema público de saúde e de como o país enfrentará barreiras sociais, econômicas e culturais ainda presentes.
Enquanto isso, a mensagem é clara: há cada vez mais ferramentas para que ninguém precise viver com HIV por falta de prevenção. O desafio agora é garantir que todas as pessoas que desejarem possam acessar essas tecnologias, no SUS, pela rede privada e, principalmente, sem medo ou preconceito.
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